Guardas podem ficar até quatro anos na cadeia segundo artigo 252 do código penal. Educadores e sindicato devem procurar o Ministério Público e denunciar
O caso lamentável que ocorreu hoje na prefeitura de Itaguaí, com os educadores, é mais uma vergonha orquestrada por um prefeito que já perdeu o respeito a muito tempo. Os guardas que foram convocados para atuar na “segurança” do prefeito, foram o retrato de um governo despreparado e “burro”. O uso de spray de pimenta, foi o cúmulo da ação de um gestor que merece as mais duras sanções.

O artigo 144 da Constituição Federal, em seu capitulo IV, define quem pode usar armas não letais. Lá, não há registros que guardas municipais, incumbidos apenas de resguardar o patrimônio, podem usar armas como spray e balas de borracha. O artigo 252 do Código Penal Brasileiro, prevê a punição de até quatro anos para quem expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, usando de gás tóxico ou asfixiante.
A Constituição Federal de 1988 delega aos municípios decidir como atuarão os guardas municipais. Para que guardas tenham permissão para o uso de armas não letais, os servidores devem passar por capacitação especifica, além de lei municipal que aprove o uso. No caso de Itaguaí, não existe lei que aprove e muito menos capacitação dos profissionais.
Na Lei Orgânica do Município de Itaguaí, em seu capitulo III, que trata da segurança pública da cidade, não é mencionado em momento algum o uso de qualquer equipamento. Uma lei que tratava do assunto, foi arquivada anos atrás. Com isso, o uso de armas não letais como essa, infringem diversas leis e a CF, dando aos responsáveis as duras penas aqui mencionadas. Somente a polícia poderia usar tal artifício em último caso.

Além da guarda, a prefeitura também deverá responder, pois não tem permissão do Exercito Brasileiro para que seus servidores andem munidos de tal equipamento, bem como não abriu aparentemente nenhuma licitação para compra destes materiais.
Não é qualquer um que pode comprar e manusear spray de pimenta. Ele é um produto controlado pelo exército brasileiro, sendo considerada arma química de uso restrito. Só pode ser utilizado pelas forças armadas, por algumas instituições de segurança e por pessoas físicas e jurídicas “habilitadas”, devidamente autorizadas pelo exército brasileiro de acordo com a legislação específica, conforme determina o art. 2º, do inciso xviii, do r-105 (regulamento para fiscalização de produtos controlados).
Veja o que diz o artigo 252 do código penal:
252 – Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, usando de gás tóxico ou asfixiante:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Modalidade Culposa
Parágrafo único – Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
Fabrica, fornecimento, aquisição posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, ou asfixiante
No Brasil, existe o Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105) do Exército, com nova redação determinada pelo Decreto 3665, de 20 de novembro de 2000, que em seu artigo 3º, apresenta algumas definições, como no inciso V.
Define: Aquilo que é entendido como “agente químico de guerra”: substância em qualquer estado físico (sólido, líquido, gasoso ou estados físicos intermediários), com propriedades físico-químicas que a torna própria para emprego militar e que apresenta propriedades químicas causadoras de efeitos, permanentes ou provisórios, letais ou danosos a seres humanos, animais, vegetais e materiais, bem como provocar efeitos fumígenos ou incendiários;
E no inciso LXIX fornece a definição de:
“produto controlado pelo Exército”, como sendo produto que, devido ao seu poder de destruição ou outra propriedade, deva ter seu uso restrito a pessoas físicas e jurídicas legalmente habilitadas, capacitadas técnica, moral e psicologicamente, de modo a garantir a segurança social e militar do país.
Logo em seqüência, o referido decreto, ainda em seu artigo 3º, inciso LXXXI, define o termo uso restrito, como sendo a designação “de uso restrito” é dada aos produtos controlados pelo Exército que só podem ser utilizados pelas Forças Armadas ou, autorizadas pelo Exército, algumas Instituições de Segurança, pessoas jurídicas habilitadas e pessoas físicas habilitadas;
No artigo 16, o Decreto de fiscalização dos produtos controlados, entende como uso restrito, inciso XI, armas e dispositivos que lancem agentes de guerra química ou gás agressivo e suas munições;
Segundo o Exército, a repressão ao porte ilegal do spray “é responsabilidade da Polícia Federal”. Mas a PF não tem dados sobre apreensão de spray de pimenta e diz que são as polícias estaduais que devem reprimir o uso ilegal.
Existe tipicidade penal para o uso, posse ou porte do spray de pimenta?
A meu sentir, é necessário primeiro analisar o elemento subjetivo do tipo na utilização, que pode configurar, conforme a situação:
No caso do uso.
Estado de necessidade, artigo 23, I,
Legítima defesa, artigo 23, II
Estrito cumprimento do dever legal, 23, III, do CP, perigo para vida ou saúde de outrem,
No caso de responsabilidade pelo uso.
Gás tóxico ou asfixiante artigo 132 do CP,
Lesão corporal do CP artigo 129 do CP,
Homicídio, artigo 121 do CP
Lesão corporal seguida de morte, artigo 129, § 3º do CP.
Do respaldo legal no caso de uso
Se o agente utiliza o spray de pimenta com preenchimento dos requisitos da injusta agressão, atual ou iminente, na defesa do direito do agredido ou de terceiro, atacado ou ameaçado de dano pela agressão, com repulsa dos meios necessários, com uso moderado de tais meios e com conhecimento da agressão e da necessidade da defesa, logo estará afastada a ilicitude, e consequentemente a figura criminosa. Agiu, pois em legítima defesa.
Se agiu numa situação de perigo atual ou iminente, com ameaça de direito próprio ou alheio, em situação não causada pelo agente, como por exemplo, num ataque de um cão bravio, o agente então teria agido em estado de necessidade, o que afastaria também o crime, na sua dogmática analítica.
Se for o policial que agiu porque a lei impõe determinado comportamento, teria ele agido em estrito cumprimento do dever legal, o que afastaria também a ilicitude, deixando de constituir ilícito penal.
Da responsabilidade de uso no caso ilegal.
A utilização do spray de pimenta expondo a perigo vida, a integridade física ou o patrimônio, desde que advenha perigo para um número indeterminado de pessoas, pode caracterizar o delito de uso de gás tóxico ou asfixiante, artigo 252 do Código Penal, eis que o objeto jurídico é a incolumidade pública e o crime é de perigo comum, cujo momento consumativo é a situação de perigo a um número indeterminado de pessoas.
Se houver vítima certa e determinada, em função do perigo direto, então a figura típica é a prevista no artigo 132 do CP Gás tóxico ou asfixiante, se o não constituir crime mais grave, tratando-se de subsidiariedade expressa, um dos critérios de resolução do conflito aparente de normas.
Havendo lesão corporal, qualquer que seja a gravidade, leve, grave ou gravíssima, a conduta do agente se enquadrará no artigo 129 do CP (lesão corporal).
Se a vítima vier a falecer, a conduta do agente dependerá do seu dolo. Se quis o resultado morte, ou assumiu o risco de produzir, a conduta será de homicídio. Caso contrário, responderá por lesão corporal seguida de morte.
E simplesmente a posse ou o porte de spray de pimenta, pode configurar algum crime? Há informações que a Condor S.A Indústria Química, com sede no Rio, seria a única fabricante do produto em todo o Brasil.
Da autorização para a venda.
A indústria só teria autorização para vender ao Governo, mas pode também exportar para outros governos da América Latina e África.
Do entendimento sobre a sua classificação como arma.
Alguns doutrinadores entendem que o spray de pimenta é uma arma não legal. Mas não se trata de arma de fogo, munição e nem tampouco acessório.
Não se enquadra no estatuto do Desarmamento.
Logo não se aplica as normas do estatuto do desarmamento, lei 10.826/2003, que não contempla tal hipótese.
Por se tratar de arma, poderia configurar a contravenção penal de porte de arma do artigo 19 da LCP, Decreto 3688/1941. Sendo o tipo contravencional essencialmente aberto, acredito não se pode enquadrar a posse ou porte de spray de pimenta como contravenção penal.
Há quem diga que a conduta seria de contrabando, artigo 334 do CP, também sem razão de ser, afastando este entendimento uma simples leitura das elementares do tipo.
Assim, se uma pessoa física for encontrada na posse ou porte de um spray de pimenta, terá o objeto apreendido para fins de apurar possível cometimento do delito previsto no artigo 334 do Código Penal Contrabando ou Descaminho, cuja tipicidade ainda é duvidosa.
A Anistia Internacional considera o uso do gás de pimenta uma prática de tortura. Neste caso, é necessário o estudo acerca do elemento normativo sofrimento intenso, para se caracterizar a tortura-meio ou tortura-prova conforme a hipótese prevista na Lei 9.455/97.
Conclusão:
Por derradeiro, como garantista por convicção, acredito mesmo que a melhor solução seria a edição de uma lei tratando especificamente sobre o assunto em apreço com vistas a atender o princípio da legalidade e por conseqüência a taxatividade penal, como forma de assegurar os direitos e garantias individuais, em última análise, a proteção das liberdades públicas.
Texto complementado por:
ADM- Fábio André do Nascimento Registro: CRA-RJ N°03-00160 objetivo, passar informações e esclarecer aos agentes de Segurança Pública Municipal da Guarda Municipal sobre as normas e leis.
Autor do texto.:
Jeferson Botelho é Professor de Direito Penal e Processo Penal pelas Faculdades Doctum e Fenord em Teófilo Otoni-MG. Pos-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino – Buenos Aires – Argentina, Delegado de Polícia de Nível Especial – Titular da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes em Teófilo Otoni-MG.
Uso de armas não letais por guardas municipais são recriminadas há anos:
Em 2013, a justiça proibiu guardas municipais do Rio de usarem armas não letais
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/rio/justica-proibe-guardas-municipais-do-rio-de-usarem-armas-nao-letais-10019080#ixzz4SGi7GWRM
Em 2008, o presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ, o advogado José Carlos Tortima, relatou que, outro aspecto legal que impede o uso de armas não letais é que os guardas municipais são celetistas e não servidores públicos estatutários. “A Guarda Municipal é uma empresa pública da prefeitura do Rio, cujos integrantes são celetistas. Isso é incompatível com a segurança pública” , argumentou.
Fontes de pesquisa:
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10606400/artigo-252-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940
http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/clp/banideias.htm/6-direitos-sociais/j-seguranca/nova-redacao-ao-artigo-144-da-constituicao-federal-seguranca-publica
http://www.juridicohightech.com.br/2013/09/aspectos-penais-sobre-o-uso-posse-ou.html?m=1
http://oab-rj.jusbrasil.com.br/noticias/1105409/tortima-considera-insconstitucional-utilizacao-de-armas-nao-letais-pela-guarda-municipal-do-rio
Veja mais:
https://bocanotromboneitaguai.com/2016/12/08/servidores-da-educacao-de-itaguai-sao-atingidos-por-gas-de-pimenta/
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