De repente, nesta manhã de sábado, 8:30h horário de Brasília, lá estava eu em um ponto qualquer da cidade a espera de um transporte que me levaria a um “passeio” na Ilha da Madeira. Pensei cá comigo, que hoje poderia ter sido um dia em que dormiria até mais tarde, não tivesse assumido esse compromisso. Mas estava bem, afinal ai fazer uma viagem a um lugar lindo e bucólico que há muitos anos não visitava, muito antes do BNDES ter transformado o sonho do Eike Batista em quase realidade de ser o homem mais rico do mundo. Eu continuava ali esperando o transporte que não vinha e vendo outros transportes e as horas passando.
O que mais me motivava e não me deixava sentir pena de mim mesmo, por ter mais uma vez acordado tão cedo, era o fato e a certeza que estaria ao lado de pessoas agradabilíssimas e que eu gosto muito de há tempos e outras que estou aprendendo a gostar, num exercício diário de amizade e amor. Isso já era suficiente para me dar prazer na espera, que era cada vez maior.
Enquanto e esperava o pensamento voava por lugares e tempos distantes, e numa dessas “viagens” fui parar em uma cidade muito longe daqui, eu, um jovem, quase adolescente, numa terra distante, de língua estranha, aliás, muitas línguas estranhas, pois além do país de língua estranha eu convivia dentro de uma cidade universitária onde era possível se ouvir todas as línguas e grande parte de dialetos do mundo. Ali estava eu, quando de repente bateram em minha porta e veio um convite para ouvir uma palestra que se iniciaria dentro de instantes no auditório da nossa faculdade. O convidado palestrante era da Ilha da Madeira. Um ilustre senhor que eu desde minha infância aprendera a admirar. Era um desses meus heróis que permearam minha infância e que nunca morreriam de overdose, nem eu. Bem, eu talvez de coma alcoólica comemorando a vida e o amor, quem sabe! Era um sábado também, e ele tinha vindo de tão distante para dar a palestra e se fazer conhecer também por outras gentes, já que era impossível andar livremente em seu país. Vibrei diante de tal possibilidade, tomei meu banho matinal e me pus a caminho com o amigo que viera me chamar. O convidado, nascido na Ilha da Madeira, era Álvaro Cunhal, um senhor, na época, já com mais de 50 anos, quem sabe beirando os 60, mas que até ali tinha história de gente grande e de luta pela liberdade para contar. A satisfação de conhecer pessoalmente tão ilustre figura era acompanhada da alegria de poder novamente ouvir alguém falando nosso idioma na língua dos nossos colonizadores. Digo língua pra não dizer sotaque, que segundo um humorista lá de Trás os Montes, se indignava, dizendo que eles nos deram a língua e nós dizíamos que eles é que tinham sotaque. Mas isso é outra história.
Minha alegria de poder ouvir aquele grande vulto da história moderna falando em meu idioma (que na época ainda não era chamado de brasileiro) foi logo desfeita, porque quando o meu grande ídolo começou a falar eu pensei que tinha desaprendido por completo o Português, pois não entendia nada do que ele falava, era, como ouvi mais tarde de um amigo patrício lá da “terrinha”, um “raio de língua que eu entendia mas não compreendia nada”. Foram 10 minutos de tortura linguística, ora com a ajuda do fone com o tradutor simultâneo, ora tentando entendê-lo em seu próprio linguajar. Até que o ouvido acostumou-se ao seu dialeto e pude assistir a palestra com muito contentamento. Não sem antes notar que a Ilha da Madeira onde ele vira o Sol brilhar pela primeira vez, não era a mesma que anos mais tarde Eike Batista comprara de alguns comparsas do governo municipal de nossa localidade anos depois, para destruí-la a troco de benesses, troca de favores, presentes de carros e apartamentos caríssimos para secretários e governantes em geral.
A espera continuava e meus pensamentos voavam. Até que chegou o transporte que me levaria para a Ilha da Madeira que me fez lembrar de tão ilustre figura do lugar do mesmo nome e de um povo tão simples e querido como os “de cá”. Embarquei, cumprimentei a todos e em especial uma loira lindíssima, exuberante que foi ao meu lado. E quem não acredita que existem loiras inteligentes, podem começar a desapegar-se desse mito, pois elas existem e estão à solta por aí. E eu tinha a prova disso ao meu lado. Loira, linda e inteligente, três atributos que fazem a trindade de adoração de qualquer homem que pense em se apaixonar e não têm medo de mulher inteligente.
Mas lá fomos nós! Na medida em que avançávamos pelo caminho, sob o risco da direção de um motorista que estava colocando à prova nossa resistência ao pavor, fui apreciando a paisagem que nos envolvia. Saímos do continente e entramos na ilha, agora ligada ao continente através de uma ponte. O outro lado da ponte já não era a mesma Ilha que eu havia conhecido anos atrás! Logo ao adentrarmos ali, passou por nós um pássaro tossindo, não soube distinguir se era uma cotovia, o rouxinol do dia, do qual nos falou o poeta ou um(a) sábia. Sabia apenas que não era urubu e que voava. Lembrei-me imediatamente do poema de Vinícius em que ele no exílio lembrava-se de sua pátria e disse:
A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
Era assim que eu estava vendo aquele pedaço de terra (terra?) cercada de tanques, diques, minérios envelopados e escondidos em seu subsolo prestes a explodir. Ali não havia rio urinando mar. Logo chegamos à praça central e ali fomos muito bem recebidos pelas pessoas que promoviam e participavam de um evento de ação social dentro da ilha. Bem recebidos, fomos cercados por alguns amigos que já conhecíamos do lado continental do município, por outros que se fizeram conhecer no momento. E entre conversas daqui e dali, anotações daqui e dali, em meio ao desassossego e as feições cheias de terror da população local, ficamos conhecendo a situação em que se encontra a ilha. No fundo, no fundo, não é muito diferente a necessidade do povo de lá como a do povo daqui: Falta de segurança, falta de saneamento, educação mais que precária – apenas uma escola para toda a ilha – Saúde incompreensivelmente ineficaz: apenas um posto, com apenas uma médica (por sinal muito bem quista por toda população que dela falou muito bem, inclusive de sua competência, mas também da sua impossibilidade de poder atender sozinha a todos os necessitados da Ilha). Notei pelo seu “cheito” de falar que não é brasileira, alguns comentários “acusavam-na” de cubana, mas isso também não é certeza e tampouco é relevante para a situação que a Ilha se encontra. Afinal, não estamos aqui para colocar a culpa de tudo que acontece na saúde de nosso país em Fidel e Raul Castro, claro!
No demais, os reclamos continuavam e eram sobre os vários assaltos tanto nas ruas como nas residências, por falta de um posto policial e de uma ronda mais eficaz pelas ruas da cidade. Pois o único carro de “plantão” circula na orla, se é que ainda se pode chamar aquilo de orla, que vai do ponto do ônibus da Real Rio (única empresa que atende a Ilha) até a praça central, num percurso de quase cem metros. Ufa!!! Parada para um cafezinho no bar da esquina.
Bem, podemos conversar com vários moradores, senhoras mães, que trabalham e não têm uma creche para deixarem seus filhos, outras que não podem mais trabalhar, pois temem deixar seus filhos a sós e serem processadas por abandono de incapazes, já que a escola local só pode acolher-lhos após os quatro anos de idade.
Assim foi nossa estadia naquele lugar que um dia já foi quase um paraíso, já foi teto de humildes pescadores (expulsos da localidade junto com os peixes que transitavam pelo hoje lodaçal), foi, quem sabe como a outra ilha um dia paraíso também, um pombal de amores. Mas isso acabou!
Chegou a hora de sairmos e o fizemos com pesar de ver o estado em que se contra a nossa Ilha da Madeira, onde as pessoas falam e a gente entende. Ainda se entende até quando conjugam o verbo amar. Pois é disso, principalmente, que a Ilha está precisando por parte de nossas autoridades. Os moradores dali estão vivendo sobre um vulcão, depois dos acordos políticos feitos entre empresas e governos locais e internacionais. Esses últimos, na verdade, parecem que deixaram de ser feitos para favorecimento de alguns políticos e secretários municipais de tempos não tão distante assim, que faça com que as pessoas, o povo se esqueça, quando chegarem as campanhas eleitorais e as eleições.
A loira linda, exuberante e inteligente que sentou-se ao meu lado na ida já não voltou ao meu lado, teve que sair minutos antes, devido a um acidente familiar ocorrido em sua casa. Teve que sair às pressas e espero que tudo tenha se resolvido bem. Afinal, como já foi dito tudo sempre termina bem, nesses casos, se não está bem agora é porque ainda não terminou. Para a Ilha também. Basta não cruzarmos os braços e ativarmos nossas consciências e aprendermos a mais sobre cidadania e tudo também terminará bem.Saí da Ilha da Madeira com pesar no coração de ver o estado de devastação em que se encontra o local, a degradação total do meio ambiente, mas como hoje é dia de “lua grande” espero que todos da Ilha possam pelo menos ter tido a satisfação de pela fresta das janelas fechadas de suas casas poder admirá-las, sem risco de aparições e de ratos – inclusive humanos – vir ofuscar o luar dessa noite que vai ser bela.
Um bom final de semana para todos e principalmente um bom domingo. Pra loira linda, exuberante e inteligente também!
Itaguaí, 30 de agosto de 2015.
LUÍS BOMFIM, é jornalista, diagramador, escritor, poeta, roteirista, designer gráfico e modelador de 3D. Estudou Filologia na Universidade da Amizade dos Povos “Patrice Lumumba”, em Moscou; Teologia na Faculdade Metodista Livre de São Paulo, e atualmente faz o 5º período de graduação na Faculdade de Letras da UFRJ
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