Autorização dada pelo Inea ao Porto Sudeste, põe em risco a vida de diversas espécies locais, entre elas o boto cinza ameaçado de extinção. A Prefeitura de Itaguaí já havia multado a mesma empresa por descumprimento de normas ambientais em abril deste ano.
Em 21 de agosto de 2021 / Júlio Andrade
Rio de Janeiro – O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou, na última quinta-feira (19), uma ação civil pública para impedir a realização de obra sem licenciamento ambiental no interior da Área de Proteção Ambiental (APA) Marinha Boto-Cinza, localizada na Baía de Sepetiba, na Ilha da Madeira em Itaguaí.
Conforme foi apurado no procedimento preparatório nº 1.30.001.002778/2021-91, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) concedeu autorização ambiental para que a empresa Porto Sudeste do Brasil S.A. realizasse corte de rochas submarinas (derrocagem) de cerca de 900m³ na unidade de conservação sem estudo prévio de impacto ambiental ou consultar a população local e o Conselho Gestor da APA.
Por se tratar de obra em canal de navegação na faixa marítima da Zona Costeira, o licenciamento ambiental é obrigatório, como determinam os artigos 2º, inciso VII da Resolução CONAMA nº 01/86 e 6º, caput e § 2º da Lei nº 7.661/88 (Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro).
A obra serviria para ampliação do canal de navegação do Porto de Itaguaí, permitindo a passagem de navios de carga de maior porte na Baía, que abriga a maior população mundial de botos-cinza, espécie ameaçada de extinção que é o símbolo da cidade do Rio de Janeiro. Além de representar risco à preservação dos golfinhos e de outras espécies da fauna marinha, o aumento do fluxo de navios de grande porte no local pode impactar a atividade de pesca artesanal, que por várias gerações consistiu na principal fonte de renda e subsistência na região.
Nos últimos anos, a Baía de Sepetiba foi submetida à forte pressão socioambiental devido à instalação de megaempreendimentos no local, incluindo três portos, terminais de carga e dezenas de indústrias. O ecossistema da Baía de Sepetiba, reconhecida por sua biodiversidade, sofre com os efeitos da saturação ambiental, pois cada obra ou atividade licenciada pelo Inea não leva em conta o efeito conjunto (impacto sinérgico) de todos os empreendimentos já instalados, diz o MPF.
Na ação civil pública, o MPF pede a suspensão da autorização ambiental concedida pelo Inea a Porto Sudeste para a obra, que só poderia ser realizada após estudo prévio de impacto ambiental que considere o efeito cumulativo da atividade com os demais empreendimentos, além de fixar medidas de compensação ambiental para os danos que venham a ser causados.
O MPF, apurou que apesar de o método empregado na derrocagem ser novo e não haver ainda estudos detalhados sobre os possíveis impactos ambientais, o Inea baseou-se unicamente em um documento elaborado pela própria empresa Porto Sudeste para conceder a autorização ambiental, sem ouvir o Conselho Gestor da unidade de conservação e a comunidade diretamente afetada.
Segundo as primeiras apurações do órgão, há um conflito de interesses no caso, já que a empresa que pretende fazer a obra foi também a responsável por realizar o “evento-teste” para detectar os riscos.
A ação civil pública destaca a importância do desenvolvimento sustentável, que preserve a saúde, a segurança e o bem-estar da população, bem como o equilíbrio ambiental e a qualidade dos recursos naturais.
Número do processo: 5090137-36.20214.02.5101
Prefeitura de Itaguaí já havia multado Porto Sudeste por descumprimentos ambientais em abril deste ano
No começo de abril, a Prefeitura de Itaguaí havia interditado por algumas horas e em seguida multado a empresa Porto Sudeste por vazamento de água contaminada com minério na Baía de Sepetiba, derramamento no mar de minério transportado, contaminação do lençol freático pela água com minério e emissão de compostos tóxicos no ar, acarretando impactos ambientais graves. Ainda, a equipe de fiscalização constatou a contaminação de recursos hídricos e pesqueiros, que poderiam afetar indiretamente até mesmo os manguezais do entorno da área onde o porto está instalado.
Na época, por meio de nota, o Porto Sudeste se pronunciou publicamente alegando que mantinha rígidos procedimentos de controle ambiental na sua operação e que o meio ambiente era inegociável. Além disso que o porto era licenciado, justamente pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que hoje também é alvo da Ação Civil Pública do MPF.