Justiça derruba estado de calamidade financeira de Itaguaí


Desembargadora fala em “fabricação” de um inexistente cenário de calamidade pública, buscando beneficiar-se de benesses jurídicas. Procuradoria do município foi intimada pela possível “fabricação”.

Atual: Um despacho da desembargadora Gizelda Leitão Teixeira, exarado na quarta-feira (22), atendendo a uma representação Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPE-RJ), considerou inconstitucional dois decretos assinados pelo prefeito de Itaguaí, Carlo Busatto Júnior, o Charlinho, declarando estado de calamidade pública financeira no âmbito da administração pública direta do município. No mesmo despacho, a desembargadora também acatou ação de representação por inconstitucionalidade em relação à Lei Municipal número 3541/2017, que reconhecia o estado de calamidade pública financeira evocado por Charlinho.

Um dos decretos assinado por Charlinho, o de número 4.200/2017 previa a vigência do o estado de calamidade pública financeira por um período de 180 dias, a partir da data da publicação. No outro decreto, o de número 4.231, de 27 de julho de 2017, Charlinho alterou a redação do primeiro, prorrogando o estado de calamidade pública financeira até 31 de dezembro de 2017. Ao se opor às medidas tomadas por Charlinho, o MPE-RJ, argumentou que somente uma força imprevisível desobrigá-lo do cumprimento de regras consideradas essenciais no ordenamento jurídico brasileiro, como as que preveem a realização de concursos públicos; certames licitatórios e as referentes à responsabilidade fiscal.

Para acentuar o entendimento de que os decretos assinados por Charlinho e a lei municipal a eles associada são inconstitucionais, o MPE-RJ sustentou que tanto no âmbito legal como no doutrinário, o reconhecimento de estado de calamidade pública está obrigatoriamente vinculado a algum episódio de desastre natural. Assim, salientou que o prefeito e o presidente da Câmara Municipal de Itaguaí contornaram normas federais sobre direito financeiro, incorrendo, ambos os decretos e a lei impugnados, em violação de artigos da Constituição. Mais adiante, sustenta que, conforme legislação nacional, o reconhecimento do estado de calamidade é de atribuição das Assembleias Legislativas e não das Câmaras Municipais. “Há inegável violação às normas estabelecidas pelo legislador nacional quanto à repartição de competências constitucionais, com afronta ao princípio federativo, previsto na Constituição Estadual.

O MPE-RJ alegou ainda que os decretos e a lei municipais ofendem a Constituição Federal e a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que estabelecem as providências a serem adotadas para cumprimento dos limites de despesa com pessoal ativo e inativo do município, que não podem exceder o percentual da receita corrente líquida de 60%, sendo 6% reservado ao Legislativo e 54% ao Poder Executivo, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Segundo o MPE-RJ, Itaguaí não se encontra em verdadeiro estado de calamidade e não adotou as providências obrigatórias como a redução em pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; exoneração dos servidores não estáveis e, em última caso, a exoneração dos servidores estáveis.

“Como o município não se encontra em verdadeiro estado de calamidade e, como se vê, não adotou as medidas mencionadas, conclui-se que a legislação impugnada viola o comando constitucional”, diz o documento, denunciando que o prefeito Charlinho “fabricou” um inexistente cenário de calamidade pública, buscando beneficiar-se das benesses jurídicas, restando daí configurada violação a ditames fundamentais de legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade; interesse coletivo; eficiência e proporcionalidade, que devem nortear a gestão da Administração Pública em todas as suas esferas.

 

Fonte: Jornal Atual

 

 Leia na íntegra

 

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

ÓRGÃO ESPECIAL

AÇÃO DE REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE

Nº 0062226-46.2017.8.19.0000

REPRESENTADOS: EXMO.SR. PREFEITO DO MUNICÍPIO DE ITAGUAI

EXMO.SR.PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DO

MUNICÍPIO DE ITAGUAI

LEGISLAÇÃO: DECRETO Nº4.200/2017 MUNICIPIO DE ITAGUAI

DECRETO Nº4231/2017 MUNICIPIO DE ITAGUAÍ

LEI Nº 3541 /2017 MUNICIPIO DE ITAGUAÍ

RELATORA: DESA. GIZELDA LEITÃO TEIXEIRA

Trata-se de Representação por inconstitucionalidade proposta pelo

Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, arguindo a

inconstitucionalidade do Decreto editado pelo Exmo. Sr. Prefeito do

Município de Itaguaí, declarando estado de calamidade pública

financeira no âmbito da Administração Pública Direta do Município e da

Lei Municipal que reconhece o referido estado de calamidade pública

financeira.

Previa o artigo 1º § único do Decreto nº 4.200/2017 vigência pelo

período de 180 dias, a partir da data da publicação, possível a

prorrogação por igual período.

A seguir, o Decreto nº 4.231/ de 27 de julho de2017, alterou a redação

do artigo 1º, parágrafo único do Decreto nº 4.200/2017, prorrogando o

prazo de sua validade (de estado de calamidade pública financeira até

31/12/2017).

Na inicial o Ministério Público sustenta o cabimento do controle

concentrado de constitucionalidade dos referidos decretos municipais,

porque, além de declararem o estado de calamidade pública, incluem

enunciados normativos que afastam a incidência de regras e princípios

constitucionais.

Assevera que a doutrina reconhece semelhança entre declarações de

estado de sítio e de emergência ao estado de calamidade pública e que

costumam ser acompanhadas de medidas normativas, daí porque são

suscetíveis de controle pela via judicial.

E que os referidos decretos municipais que declararam estado de

calamidade financeira estão diretamente subordinados à Constituição,

decretos autônomos que são.

E o entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que

decretos de caráter autônomo podem figurar como objeto de controle

abstrato de constitucionalidade.

Concluindo pelo cabimento do controle concentrado de

constitucionalidade dos Decretos municipais aqui objeto de impugnação

(que declararam estado de calamidade pública financeira no município

de Itaguaí).

A teor do artigo 2º, inciso IV do Decreto nº 7.257 de 04/08/2010

(regulamenta a Lei Nacional nº 12.340/10) define-se:

“estado de calamidade a situação anormal, provocada por

desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o

comprometimento substancial da capacidade de resposta do

poder público do ente atingido”.

Conclui-se que, tanto no âmbito legal como no doutrinário, o

reconhecimento de estado de calamidade pública está obrigatoriamente

vinculado a algum episódio de desastre natural.

Assevera o Ministério Público que somente uma força imprevisível

poderia exonerar o ente público do cumprimento de regras consideradas

essenciais em nosso ordenamento jurídico, como aquelas que preveem a

realização de concursos públicos; certames licitatórios e as referentes à

responsabilidade fiscal.

Através de legislação municipal contornaram-se normas federais sobre

direito financeiro, incorrendo ambos os Decretos e a Lei impugnados em

violação aos arts. 74, incisos I e §1º c/c artigo 358, incisos I e II da

Constituição Estadual.

A leitura do artigo 1º, parágrafo único da Lei nº 3.541/2017 evidencia o

propósito de suspender prazos previstos no artigo 65 da Lei de

Responsabilidade Fiscal, quando o reconhecimento do estado de

calamidade é de atribuição (conforme a Lei Nacional nº 101/2000) das

Assembleias Legislativas e não das Câmaras Municipais.

Há inegável violação às normas estabelecidas pelo legislador nacional

quanto à repartição de competências constitucionais e daí afrontado o

próprio princípio federativo, previsto no artigo 5º da Constituição

Estadual.

Por via de consequência, incorrem o Decreto nº4.200/2017 e a Lei nº

3.541/2017 em ofensa aos arts 5º; 74, inciso I e parágrafo 1º; artigo

358, incisos I e II c/c 22, inciso XXVIII da Constituição Federal,

reproduzidos na Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

Mais: afirma-se na inicial que, ao declarar estado de calamidade pública

e permitindo a incidência do artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal,

os Decretos e a Lei impugnados violaram o artigo 213 da Constituição

Estadual, na parte equivalente, por simetria, aos parágrafos 3º e 4º do

artigo 169 da CF (incluídos pela EC nº19/1998), que estabelecem as

providências a serem adotadas para cumprimento dos limites de

despesa com pessoal ativo e inativo do Município.

O limite referido no artigo 169 caput da CF é previsto no artigo 19 da Lei

de Responsabilidade Fiscal.

Quanto aos Municípios, o limite de despesa total com pessoal,

considerando cada período de apuração, não pode exceder o percentual

da receita corrente líquida de 60%, sendo 6% reservado ao Legislativo e

54% ao Poder Executivo, a teor do artigo 20, inciso III da Lei de

Responsabilidade Fiscal.

Se a despesa com pessoal ativo e inativo ultrapassar os limites definidos,

diz o art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal que o percentual

excedente será eliminado nos 8 meses posteriores e, ao menos 1/3 o

será no primeiro quadrimestre, adotando-se, entre outras, as

providências determinadas pelo artigo 169 §§3º e 4º da CF.

Traz a inicial a afirmação de que o Município de Itaguaí não se encontra

em verdadeiro estado de calamidade e, a teor do que consta do artigo

1º, parágrafo único da Lei 3.541/2017, não adotou as providências

obrigatórias , quais sejam: redução em pelo menos 20% das despesas

com cargos em comissão e funções de confiança; exoneração dos

servidores não estáveis e, em última caso, a exoneração dos servidores

estáveis.

Como o Município de Itaguaí, em verdade, não se encontra em

verdadeiro estado de calamidade e como se vê no artigo 1º § único da

Lei 3.541/2017, não adotou as medidas acima mencionadas, conclui-se

que a legislação aqui impugnada viola o comando constitucional

constante, por força obrigatório no artigo 213 da Constituição Estadual.

Em consequência, assevera o MP que o Decreto nº 4.200/2017 e a Lei

3.541/2017 incorreram em violação ao artigo 213 da Constituição

Estadual.

Entende o Representante que o Município de Itaguaí “fabricou” um

inexistente cenário de calamidade pública, buscando beneficiar-se das

benesses jurídicas, restando daí configurada violação a ditames

fundamentais de legalidade; impessoalidade; moralidade; publicidade;

interesse coletivo; eficiência e proporcionalidade, que devem nortear a

gestão da Administração Pública em todas as suas esferas.

In casu, conclui o Representante, estamos diante de novo conceito de

“calamidade pública”, violando-se o princípio da legalidade (artigo 77

caput da Constituição Estadual e, em consequência, violou o princípio da

separação de poderes, previsto no artigo 7º da Constituição Estadual.

Ao final, após tecer diversas considerações, finda a inicial por requerer a

declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº4.200/2017 (que

declarou estado de calamidade pública financeira no Município de

Itaguaí e da Lei nº 3541/2017 que o reconheceu, mister seja declarada a

inconstitucionalidade do Decreto 4.231/2017 que prorrogou a sua

vigência até 31/12/2017, à vista da evidente dependência entre os atos

normativos referidos, porque o reconhecimento da

inconstitucionalidade do Decreto 4.200/2017, atrai necessariamente a

inconstitucionalidade do Decreto 4.231/2017, por arrastamento.

Daí requer a concessão de medida cautelar, inaudita altera pars,

suspendendo a eficácia dos Decretos nº 4.200 de 09 de janeiro de 2017;

e 4.231, de 27 de Julho de 2017 e da Lei nº 3.541, de 05 de setembro de

2017, todos do Município de Itaguaí, a teor do artigo 105 do Regimento,

Interno do TJRJ e dos artigos 10 a 12 da Lei 9.868/1999, evidenciados

que estão os requisitos legais do fumus boni iuris e periculum in mora,

bem evidenciado seu conteúdo flagrantemente inconstitucional e de

evidente prejuízo decorrente dos efeitos danosos à coletividade que

ditas normas acarretam.

É o relatório.

DECIDO: Razão assiste ao Ministério Público, ao requerer in limine

(na forma do artigo 105 e parágrafos do Regimento Interno do TJRJ) a

SUSPENSÃO DA EFICÁCIA dos Decretos nºs 4.200 de

09 de janeiro de 2017; e 4.231, de 27 de julho de 2017

e da Lei nº 3.541, de 05 de setembro de 2017, todos do

Município de Itaguaí, eis que do exame dos referidos diplomas

legais, conclui-se seu conteúdo verdadeiramente inconstitucional,

sendo previsível o prejuízo que advirá como efeito danoso à coletividade

acarretado pelos referidos diplomas editados.

O exame das referidas normas, em especial seu artigo 1º parágrafo

único da Lei 3.541/2017, torna claro o objetivo de suspender os prazos

estabelecidos no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, valendo

gizar que o reconhecimento do estado de calamidade é da atribuição das

Assembleias Legislativas e não das Câmaras Municipais, como se fez no

caso do Município de Itaguaí, a teor da Lei Nacional nº 101/2000.

O decreto nº 4.200/2017 e a Lei nº 3.541/2017 ofendem os artigos 5º;

artigo 74, inciso I e parágrafo 1º. Artigo 358, incisos I e II c/c artigo 22,

inciso XXVIII da Constituição Federal, reproduzidos na vigente

Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

Igualmente restou violado pelos Decretos e pela Lei impugnados o artigo

213 da Constituição Estadual (na parte equivalente, por força de

simetria, ao artigo 169 §§ 3º e 4º da Constituição Federal (incluídos pela

EC nº19/1998) – que estabelece providências a serem adotadas para

cumprimento dos limites de despesa com pessoal ativo e inativo do

Município – ao declarar estado de calamidade pública, permitindo, em

consequência, a incidência do artigo 65 da Lei de Responsabilidade

Fiscal.

Vale lembrar que o limite estabelecido no artigo 169 caput da

Constituição Federal é previsto no artigo 19 da Lei de Responsabilidade

Fiscal.

Como bem explicitado anteriormente pelo Ministério Público aqui

Representante “quanto aos Municípios, o limite de despesa total com

pessoal, considerando cada período de apuração, não pode exceder o

percentual da receita corrente líquida de 60%, sendo 6% reservado ao

Legislativo e 54% ao Poder Executivo, a teor do artigo 20, inciso III da Lei

de Responsabilidade Fiscal.

Se a despesa com pessoal ativo e inativo ultrapassar os limites definidos,

diz o art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal que o percentual

excedente será eliminado nos 8 meses posteriores e, ao menos 1/3 o será

no primeiro quadrimestre, adotando-se, entre outras, as providências

determinadas pelo artigo 169 §§3º e 4º da CF.”

Em um primeiro exame, constata-se que o Município de Itaguaí não se

encontra em verdadeiro estado de calamidade e não adotou as

providências obrigatórias impostas no artigo 1º parágrafo único da Lei

3.541/2017, qual seja, reduzir em pelo menos 20% das despesas com

cargos em comissão e funções de confiança; exonerar servidores não

estáveis e, igualmente, se necessário, exonerar servidores estáveis.

Assim, não resta demonstrado o alegado quadro de “calamidade

pública”, não sendo demais afirmar-se que buscou-se obter benefícios

jurídicos, violando-se princípios fundamentais de legalidade;

impessoalidade, moralidade; publicidade; interesse coletivo; eficiência e

proporcionalidade, princípios estes que devem nortear a gestão da

Administração Pública.

A conta de tais motivos, DEFIRO A CAUTELAR REQUERIDA, inaudita

altera pars, com fulcro no artigo 105 do Regimento Interno do Tribunal

de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e dos artigos 10 a 12 da Lei

9.868/1999, presentes que estão os requisitos do fumus boni iuris e do

periculum in mora” SUSPENDENDO A EFICÁCIA dos Decretos nºs 4.200 de

09/01/2017 e 4.231, de 27/07/2017, todos do Município de Itaguaí, ante

seu teor evidentemente inconstitucional, sendo previsível o prejuízo

resultante dos efeitos danosos à coletividade que tais normas originam.

1) – Notifiquem-se os Exmos. Srs. Prefeito do Município de Itaguaí; o

Presidente da Câmara Municipal de Itaguaí, para fins de se

manifestarem em informações que entendam necessárias;

2) – Intime-se a Procuradoria-Geral do Município de Itaguaí (artigo

104 § 2º do RITJRJ;

3) – Intime-se a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro

(consoante artigo 111162 §3º da Constituição Estadual do Rio de

Janeiro.

Rio de Janeiro, 22 de Novembro de 2017.

Desa. Gizelda Leitão Teixeira.

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2 ideias sobre “Justiça derruba estado de calamidade financeira de Itaguaí

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